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Artigo de opinião por Miguel Felício Rito, publicado no Jornal Vida Judiciária

Artigo de opinião por Miguel Felício Rito, publicado no Jornal Vida Judiciária

Artigo

Seguros de vida que falham quando mais se precisa

Em teoria, o seguro de vida deveria representar tranquilidade. Um contrato que garante proteção quando a doença, o acidente ou a morte surgem de forma inesperada. Mas, na prática, demasiadas famílias portuguesas descobrem apenas no pior momento que a promessa era frágil e que o seguro afinal não quer pagar.

Miguel Felício Rito, advogado, explica que a maioria das recusas de pagamento ocorre por razões que o consumidor comum dificilmente poderia prever ou compreender. “Muitas vezes, as seguradoras baseiam-se em exclusões contratuais redigidas de forma ambígua ou em alegadas omissões nos questionários clínicos, preenchidos à pressa, sem qualquer acompanhamento técnico”, sublinha o advogado.

São inúmeros os casos de beneficiários que, após a perda de um familiar ou perante uma situação de invalidez, se veem confrontados com recusas de pagamento baseadas em cláusulas obscuras, exclusões inesperadas ou simples formalismos burocráticos. Muitos destes contratos têm mais exclusões do que coberturas, transformando o que parecia uma rede de segurança numa armadilha jurídica.

Um dos problemas mais recorrentes surge logo na origem: o questionário clínico.

Este documento, supostamente essencial para avaliar o risco, é frequentemente preenchido à pressa, em balcões de bancos ou através de mediadores que, na tentativa de agilizar a subscrição, desvalorizam o rigor das respostas. O cliente, confiando na orientação do profissional, responde de forma genérica ou omite detalhes que considera irrelevantes. Anos mais tarde, essa mesma omissão é usada como argumento para recusar o pagamento do capital seguro. 

As seguradoras exigem então históricos clínicos de 15 ou 20 anos, vasculhando cada consulta médica à procura de qualquer discrepância entre o passado clínico e o questionário inicial. Basta uma menção antiga a uma dor de cabeça ou a um episódio de ansiedade não declarado para que todo o contrato seja posto em causa. E quando finalmente o processo é analisado, a resposta chega tarde — às vezes demasiado tarde para quem precisa.

Em muitos casos, as seguradoras recorrem a procedimentos de verificação longos e repetitivos, pedindo documentação desnecessária, relatórios médicos sucessivos e declarações adicionais. A sensação que fica é a de que se procura ganhar tempo e desmotivar os beneficiários, empurrando-os para o desânimo ou para acordos injustos.

É verdade que o contrato de seguro assenta no princípio da boa-fé. Mas essa boa-fé deve ser recíproca. Não é aceitável que o consumidor seja responsabilizado por erros ou omissões que resultam da falta de explicação clara no momento da contratação. A jurisprudência portuguesa já reconheceu que as perguntas de saúde têm de ser concretas e individualizadas, sob pena de não poderem ser invocadas para recusar o pagamento. Ainda assim, na prática, a aplicação desse princípio continua a falhar.

Em última análise, o problema é estrutural. Em Portugal, a maioria dos seguros de vida é contratada por obrigação bancária, associada a créditos à habitação. O segurado assina porque tem de assinar, não porque compreendeu o contrato. O banco quer o crédito aprovado; o mediador quer fechar a venda; e o cliente acredita que está protegido. Até ao dia em que descobre que não está. 

É urgente reforçar a fiscalização das práticas comerciais e exigir maior transparência contratual. Um seguro de vida deve ser um compromisso sério de proteção, não um texto hermético em letras minúsculas que se interpreta contra quem mais precisa. A confiança no sistema depende da certeza de que, no momento da verdade, a seguradora cumpre a promessa que vendeu.

Um seguro que falha quando mais se precisa não é uma garantia de vida — é uma falha de justiça.

Artigo de opinião por Miguel Felício Rito, publicado no Jornal Vida Judiciária
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